Os investigadores da Universidade de Cambridge utilizaram a IA na luta contra a resistência aos antibióticos.
A equipa de investigação, liderada pelo Professor Stephen Baker, criou uma ferramenta de aprendizagem automática que utiliza apenas imagens de microscopia para distinguir entre bactérias resistentes à ciprofloxacina (um antibiótico comum) e as susceptíveis a ela.
Isto poderia reduzir drasticamente o tempo necessário para diagnosticar a resistência aos antibióticos, transformando potencialmente a forma como tratamos infecções perigosas como a febre tifoide.
O estudopublicado na Nature Communications, centrou-se na Salmonella Typhimurium, uma bactéria que causa doenças gastrointestinais graves e pode levar a doenças invasivas potencialmente fatais.
O Dr. Tuan-Anh Tran, um dos principais investigadores do projeto, explicou a abordagem numa publicação no blogue: "A beleza do modelo de aprendizagem automática é que consegue identificar bactérias resistentes com base em algumas características subtis nas imagens de microscopia que os olhos humanos não conseguem detetar".
O processo de investigação envolveu várias etapas fundamentais:
- Preparação de amostras bacterianas: A equipa cultivou amostras de S. Typhimurium em meios nutritivos líquidos, algumas expostas a diferentes concentrações de ciprofloxacina e outras não.
- Imagiologia de alto conteúdo: Utilizando um microscópio sofisticado, os investigadores tiraram fotografias pormenorizadas das bactérias em vários momentos.
- Análise de imagens: Um software especializado extraiu 65 características diferentes de cada célula bacteriana, incluindo a forma, o tamanho e a interação com corantes fluorescentes.
- Desenvolvimento de modelos de aprendizagem automática: Os investigadores introduziram estes dados em vários algoritmos de aprendizagem automática, treinando-os para reconhecer padrões associados à resistência aos antibióticos.
- Seleção de características: A equipa identificou as características mais importantes para distinguir entre bactérias resistentes e susceptíveis.
Os resultados deste processo foram impressionantes. O sistema de IA identificou corretamente as bactérias resistentes aos antibióticos em cerca de 87% das vezes.
Talvez mais significativo, os investigadores descobriram que as bactérias resistentes e susceptíveis tinham padrões visuais distintos que a IA conseguia detetar, mesmo quando não tinham sido expostas a antibióticos.
Isto sugere que a resistência aos antibióticos altera o aspeto das bactérias de formas demasiado subtis para os humanos verem, mas que a IA consegue detetar.
Os métodos actuais requerem normalmente vários dias de cultura bacteriana e testes contra vários agentes antimicrobianos. Em contrapartida, o novo método baseado em IA pode potencialmente fornecer resultados em poucas horas.
Um diagnóstico mais rápido permite aos médicos prescrever mais cedo os antibióticos mais eficazes, melhorando potencialmente os resultados dos doentes e reduzindo a propagação de bactérias resistentes.
Para o futuro, a equipa de investigação pretende expandir a sua abordagem a amostras clínicas mais complexas, como sangue ou urina, e testá-las noutros tipos de bactérias e antibióticos. Estão também a trabalhar para tornar a tecnologia mais acessível a hospitais e clínicas de todo o mundo.
Como explica o Professor Baker: "O que seria realmente importante, especialmente num contexto clínico, seria poder recolher uma amostra complexa - por exemplo, sangue, urina ou expetoração - e identificar a suscetibilidade e a resistência diretamente a partir dessa amostra."
"Trata-se de um problema muito mais complicado e que ainda não foi resolvido, nem mesmo no diagnóstico clínico num hospital. Se conseguíssemos encontrar uma forma de o fazer, poderíamos reduzir o tempo necessário para identificar a resistência aos medicamentos e a um custo muito inferior. Isso poderia ser verdadeiramente transformador".
A Dr.ª Sushmita Sridhar resumiu os impactos, afirmando: "Dado que esta abordagem utiliza imagens com resolução de uma única célula, ainda não é uma solução que possa ser prontamente implementada em todo o lado. Mas mostra uma promessa real de que, ao captar apenas alguns parâmetros sobre a forma e a estrutura das bactérias, pode dar-nos informações suficientes para prever a resistência aos medicamentos com relativa facilidade".
Dado que a resistência aos antibióticos continua a representar uma ameaça crescente para a saúde mundial, abordagens inovadoras como esta técnica de imagiologia baseada em IA oferecem uma nova esperança.
Isto faz parte de uma tendência mais alargada de inovações impulsionadas pela IA na investigação de antibióticos. No MIT, os investigadores utilizaram modelos de aprendizagem profunda para descobrir um classe inteiramente nova de antibióticos.
Na mesma linha, outra equipa de cientistas anunciou em maio do ano passado que tinha utilizado a IA para identificar um novo antibiótico eficaz contra bactérias resistentes a medicamentos.
A IA permite uma identificação mais rápida e precisa das infecções resistentes aos medicamentos, abrindo caminho a tratamentos mais eficazes e a melhores resultados para os doentes.
Os próximos anos serão cruciais, uma vez que a equipa trabalha para traduzir o seu sucesso laboratorial em aplicações clínicas no mundo real.